Para chegar até nós, não basta que a Bíblia seja recebida pela comunidade da fé. É preciso que o texto seja transmitido fielmente. Isso implica questões de escrita e material de escrever, editoração e conservação.
1) O material que se usava era, até o século II d.C., o papiro (feito da planta homônima), importado do Egito, principalmente através da cidade fenícia de Biblos, que deu origem ao termo bíblion, “livro”. Pouco antes, porém, a cidade de Pérgamo lançara um produto alternativo, o pergaminho (couro fino de ovelha ou burro; cf. 2 Tm 4,13). No século VIII d.C. (muito depois da China e da Índia), os sírios começam a fabricar papel, mas este material generaliza-se apenas a partir do século XIII.
2) Até o tempo de Jesus, o formato normal é o rolo (cf. Jr 36; Lc 4,17 etc.). Na leitura da Torá, o rolo era guardado aberto na coluna da última leitura, para se continuar no sábado seguinte. Até hoje as cópias da Torá para uso na sinagoga têm forma de rolo. A partir do século III d.C. usa-se a forma de códice, isto é, de folhas dobradas em cadernos, unidos por uma costura na dobra, como os nossos modernos livros encadernados.
3) Quanto à escrita, o Antigo Testamento foi grafado originalmente em escrita hebraica/aramaica. Como a escrita era somente um “suporte de leitura” e o texto era praticamente decorado, essa escrita era incompleta; anotava somente as consoantes de cada sílaba e não a vogal. Só bem tarde, entre 400-700 d.C., os masoretas (“transmissores”) acrescentarão as vogais, para assegurar a leitura certa. Esse texto “masorético” é o que consta nas Bíblias hebraicas medievais e modernas. A Bíblia grega (Septuaginta e Novo Testamento), até o século IX d.C., era transcrita em letras unciais (maiúsculas), sem separações e com muitas abreviaturas, o que causa bastante confusão para leitores inexperientes. A partir do século IX usa-se a escrita minúscula, com pontuação e separação das palavras, ainda em voga nas edições modernas.
4) E a fidelidade da transcrição?
- Quanto ao Antigo Testamento: até poucos anos atrás, os manuscritos mais antigos conservados da Bíblia hebraica datavam do século X d.C. No fim do século passado foram descobertos textos datando de alguns séculos antes. Mas a partir de 1946 foram descobertos os textos bíblicos das grutas de Qumran, os “documentos do Mar Morto”, alguns deles remontando até o século III a.C. O texto (consonântico) desses documentos antiqüíssimos é praticamente igual ao dos documentos do século X d.C. e ao de nossas edições modernas da Bíblia hebraica. Fidelidade comprovada!
- Do Novo Testamento possuímos atualmente mais de 5.000 manuscritos antigos. A grande maioria são códices de pergaminho, do século IV em diante, mas há também considerável número de documentos em papiro, alguns do século II d.C., portanto de menos de um século depois da redação do texto. Não há outra obra clássica antiga que esteja em tão boas condições de transmissão de texto.
Isso não quer dizer que não haja problemas. Existe uma ciência, a “crítica textual”, que estuda a exatidão das cópias manuscritas e procura restabelecer o texto original. Esse estudo leva em consideração não apenas as cópias na língua original, mas também as traduções antigas, como sejam as antigas versões em língua egípcia, síria, etíope, latina ... Pois essas traduções, sobretudo as anteriores ao século IV, podem casualmente atestar alguma forma mais original que se perdeu nos manuscritos gregos do século IV.
Todas as contas feitas, podemos dizer que as Bíblias que hoje temos apresentam fielmente os mesmos textos que foram acolhidos pelas primeiras comunidades da fé cristã.
(transcrito do livro A Palavra se fez livro, de Johan Konings, Edições Loyola, São Paulo, 1999, pg. 67-69)
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